Uma homenagem ao Professor André Ungaro. O documento original da dissertação que analisamos se encontra aqui.
Se, hoje, temos documentação baseada em matrícula de imóveis e escrituras públicas, isso se deve ao Código Civil de 1916, o Beviláqua, e de um debate que durou por 40 anos antes, que passou pelos grandes debates para se estabelecer um Código Civil nos termos modernos e seguindo a legilação européia, que foi criando Códigos Civis ao longo do final do século 19. Então, as relações de Direito Privado no Brasil eram baseadas nas Ordenações Filipinas, sim, aquelas do Rei Felipe 2° da Espanha, que morreu em 1598, e se entendia que eram completamente inadequadas para uma realidade de 300 anos depois.
O texto de hoje faz uma análise da Dissertação de Mestrado de André Ungaro Nogueira e estuda como foi o debate sobre essa implementação do Código Civil, com base no debate entre os dois gigantes intelectuais do Direito da época: Teixeira de Freitas e Clóvias Beviláqua.
No final, quem produziu o texto final foi Clóvis Beviláqua.
Mas Teixeira de Freitas não perdeu o seu trabalho. A proposta Teixeira de Freitas foi copiada e colada pela Argentina e o Código Civil implementado por eles foi a proposta dele. Teixeira de Freitas foi muito admirado na Argentina pelo grande civilista deles, Dalmácio Vélez Sarsfield (sim, quando a equipe de futebol foi fundada em 1910, o nome homenageia o jurista) e ele fez o texto aprovado pelo Congresso Argentino em em 1869.
Sem negar o outro grande resultado intelectual de Teixeira de Freitas, a Consolidação das Leis Cíveis em 1857, com a finalidade de unificar e atualizar as Ordenações Filipinas então em vigor em vocabulário e institutos que eram então modernos.
A dissertação “O legado de Augusto Teixeira de Freitas em matéria de compra e venda de bens imóveis no contexto da Consolidação das leis civis: uma análise histórico-evolutiva” investiga profundamente a influência de Augusto Teixeira de Freitas no direito privado brasileiro, especialmente no instituto da compra e venda de bens imóveis.
O trabalho analisa a eficácia do contrato de compra e venda, a forma de transmissão da propriedade imobiliária, a questão da publicidade do registro de imóveis e a evolução do instituto nos Códigos Civis brasileiros. A metodologia utilizada é a análise histórico-monográfica, com o objetivo de demonstrar a herança das ideias de Teixeira de Freitas na configuração atual da compra e venda de imóveis.
História do Contrato de Compra e Venda
O contrato de compra e venda é um dos institutos mais antigos e estudados do direito privado, fundamental para as relações de mercado e para a vida cotidiana. Augusto Teixeira de Freitas o definiu como um contrato de troca de prestações equivalentes e contrapostas de mercadoria e dinheiro. A diversidade de conjunturas, como relações mercantis ou consumeristas, confere peculiaridades a este contrato, alterando, por exemplo, a solidez do sinalagma contratual.
No Direito Romano, a emptio-venditio evoluiu de uma simples troca de bens, passando por um estágio intermediário de compra e venda real (negócio jurídico causal sem obrigações, com transmissão de domínio via mancipatio), até se consolidar como um contrato sinalagmático e consensual. A evolução da mancipatio para um negócio abstrato de alienação, onde o pagamento tinha caráter simbólico, permitiu a configuração da compra e venda sem maiores formalidades, com a posse transmitida pela traditio. Os elementos essenciais da compra e venda, identificados por Teixeira de Freitas como o “adágio da compra e venda”, são o consenso (consensus), o preço (pretium) e a mercadoria (merx).
Com a decadência do Império Romano, o Direito Romano vulgar (Vulgarrecht) permitiu uma aplicação menos técnica do direito, influenciando o contrato de compra e venda. No direito visigótico, influenciado por compilações como o Breviário de Alarico e o Liber Iudiciorum, a compra e venda passou a ter efeito translatício, transmitindo a propriedade imediatamente mediante escrituração, distinguindo-se das obrigações. No medievo, com o “redescobrimento” do Corpus Iuris Civilis justinianeu, houve um ressurgimento da atividade contratual, aliado ao desenvolvimento comercial e econômico. Esse período viu a secularização da sociedade e o fortalecimento do ius commune, especialmente no direito ibérico.
As Ordenações Filipinas tratavam da compra e venda principalmente no Livro IV, Títulos I a XXI, abordando temas como preço certo, arras, venda de bens de raiz, evicção, vícios, entre outros. Um Alvará de 1810 alterou regras sobre a proteção do direito de propriedade em vendas a prazo. O Código Comercial de 1850, redigido por Inglês de Souza, disciplinou a compra e venda mercantil, definindo-a como “perfeito e acabado” com o acordo sobre coisa, preço e condições. Houve debate se a compra e venda mercantil possuía eficácia translatícia (real) ou obrigacional, com Teixeira de Freitas entendendo-a como um contrato de título e modo.
O Código Civil de 1916 adotou uma configuração obrigacional, fundamentada na regra romana traditionibus non nudis pactis dominia rerum transferuntur, ou seja, a tradição, e não o simples pacto, transfere o domínio. Esse código sistematizou a compra e venda em disposições gerais (Art. 1122 a 1163) e cláusulas especiais (retrovenda, venda a contento, preempção, pacto de melhor comprador, pacto comissório).
Comparativamente, Eduardo Espínola dividiu a compra e venda em três sistemas contemporâneos: o romano, caracterizado pela necessidade da tradição para a transmissão da propriedade (Brasil, Alemanha, Suíça, Espanha, etc.); o francês, onde o contrato por si só transfere a propriedade (Itália, Portugal, Venezuela, Peru); e o inglês, que distingue “sale” de “agreement to sell”. O trabalho ressalta a importância da compra e venda de bens imóveis, que demanda a solenidade da transcrição e o registro público, em contraste com a simples tradição de bens móveis, devido ao valor das transações e seus efeitos práticos.
A Consolidação das Leis Cívis
Augusto Teixeira de Freitas é reconhecido como o jurista consolidador do direito brasileiro, que questionou as lacunas das Ordenações Filipinas e o excesso de normas em desuso. Seu método de trabalho envolveu o exame das Ordenações e leis aditadas, comparando-as com a modernidade de sua época. Ele modernizou os dispositivos, repudiando a escravidão e a morte civil, e restringindo direitos civis aos nacionais. Sua obra também se destacou pela separação de matérias em parte geral e especial, pela abordagem unificada do Direito Civil e Comercial, e pela concepção subjetivista da causa. Teixeira de Freitas propôs um novo sistema de resolução de conflitos de leis, inspirado em Savigny, e distinguiu a capacidade em “de direito” e “de fato”.
A metodologia da dissertação, histórico-monográfica ou evolutiva, busca entender a evolução do pensamento de Teixeira de Freitas, especialmente sua defesa sobre a natureza da compra e venda e sua influência em diplomas legais posteriores.
A Consolidação das leis civis, encomendada pelo Império em 1855, foi um duplo trabalho de compilação da legislação vigente e classificação dos institutos de Direito Civil. Fruto do contexto da Constituição Imperial e do pensamento jurídico luso-brasileiro, a obra de Teixeira de Freitas transcendeu a mera compilação, reavivando e modernizando as Ordenações Filipinas e servindo como o primeiro “código” moderno até 1916.
A Consolidação possui 1333 artigos e uma vasta Introdução, que discorre sobre as raízes romanas da cultura jurídica brasileira e o jusracionalismo de Teixeira de Freitas. A obra é estruturada em uma parte geral (pessoas e coisas) e uma parte especial (direitos pessoais e direitos reais), fundamentada na “teoria geral da relação jurídica” e na dicotomia entre direitos reais e pessoais. Teixeira de Freitas inovou ao eleger a contraposição entre as eficácias pessoal e real dos direitos subjetivos como divisão de entrada de seu sistema, em contraste com Leibniz e Savigny.
A obra demonstra um caráter conservador na manutenção da tradição solene para a compra e venda de bens imóveis, convergindo com uma sociedade onde a propriedade latifundiária era central.
A transmissão imobiliária em Teixeira de Freitas
Teixeira de Freitas defendeu a distinção entre contrato (título) e modo de transmissão, posicionando-se contra o sistema do Código de Napoleão e o consensualismo francês adotado pelo Visconde de Seabra em Portugal. Ele argumentava que a transferência da propriedade não se dava pelo negócio jurídico em si, mas pela obrigação de transferir, adimplida por meio da tradição ou, no caso de imóveis, da transcrição.
Sua crítica ao consensualismo francês se baseava nos problemas de publicidade imobiliária e segurança jurídica, como as múltiplas vendas da mesma mercadoria e a falta de visibilidade das relações de natureza pessoal para a sociedade. A tradição ficta, por si só, não resolveria o problema da publicidade, necessitando da solenidade da transcrição. O sistema hipotecário francês, viciado pela confusão entre direitos pessoais e reais, foi reformado em 1855 para exigir a transcrição.
No seu parecer sobre o projeto de lei hipotecária de 1864, Teixeira de Freitas defendeu a necessidade de um efeito constitutivo para a transcrição, que importasse a prova da propriedade e não apenas uma presunção. Ele criticou a inviabilidade de um transplante puro do sistema germânico para o Brasil, dada a incerteza dos limites territoriais e a falta de demarcação adequada decorrente do regime sesmarial. A transcrição, para ele, deveria expor à luz da publicidade as mutações da propriedade, separando direitos reais dos pessoais e impedindo fraudes.
Na parte prática da Consolidação, a compra e venda (Art. 510 a 604) podia ser pura ou condicional. Os elementos essenciais eram res, pretium e consensus (o “adágio da compra e venda”). Teixeira de Freitas entendia que o contrato, por ser consensual, não gerava eficácia real, mas direitos pessoais para que o comprador adquirisse o domínio. A transmissão de bens móveis ocorria pela traditio, enquanto a de imóveis exigia a averbação no registro público por meio da transcrição. Ele reforçou a necessidade de escritura pública para a perfeição da compra e venda de bens de raiz.
A Consolidação também tratava do direito de arrependimento (Art. 515), obrigações do vendedor (entregar a coisa, responder por evicção e vícios redibitórios) e do comprador (pagar o preço, recusa se a coisa não pertence ao vendedor). Cláusulas especiais como venda a contento (Art. 544), retrovenda (Art. 551), inalienação (Art. 553), duplo preço (Art. 555) e o instituto da lesão enorme (Art. 359) foram igualmente abordadas. Além disso, havia proibições legais de compra e venda para certos bens e pessoas, e a exigência do pagamento da siza e da escritura pública para bens de raiz.
O esboço do Código Civil e a polêmica com o Visconde de Seabra
O Esboço do Código Civil, embora inacabado e com mais de 4908 artigos, foi a obra mais bem elaborada de Teixeira de Freitas e uma base sólida para futuros projetos de codificação. Nele, a compra e venda era um contrato que obrigava à transferência do domínio de um bem por um preço em dinheiro (Art. 1971 a 2112). O consentimento era essencial, e havia vedações à venda forçada, salvo exceções como desapropriação. O Esboço também tratava da capacidade dos contratantes, proibições de venda entre cônjuges em regime de comunhão, e vendas realizadas por pais, tutores ou funcionários públicos.
A coisa vendida deveria ter valor e existir, sendo nula a venda de coisas futuras que não viessem a existir, salvo em casos de compra e venda aleatória. O preço deveria ser em dinheiro e ser determinado ou determinável, podendo ser arbitrado por terceiros. Cláusulas condicionais (suspensivas ou resolutivas), cláusula penal (arras), de arrependimento, de inalienabilidade, e pacto comissório (reserva de domínio) foram detalhadas, com regras específicas para bens móveis e imóveis. Cláusulas como venda a contento, venda a retro, pacto de revenda, preferência e pacto de melhor comprador também foram minuciosamente previstas, com prazos e efeitos específicos. O Esboço também abordou as vendas aleatórias (emptio spei e emptio rei speratae) e a necessidade de forma e prova, com a escritura pública obrigatória para imóveis.
A Nova Apostilla foi uma resposta contundente de Teixeira de Freitas ao projeto de Código Civil português do Visconde de Seabra, que, influenciado pelo Code Napoleon, adotava o consensualismo francês. Teixeira de Freitas criticava a falta de separação clara entre direitos reais e pessoais e a ausência do modo de transmissão, que, segundo ele, desrespeitava a tradição jusracionalista portuguesa. Para Teixeira de Freitas, o contrato gerava apenas obrigações, e o cumprimento destas, por meio da tradição, é que transferia o domínio, distinguindo o título do modo de adquirir. Ele argumentava que a adoção do consensualismo levaria a problemas de má-fé e incerteza sobre a titularidade, especialmente em casos de múltiplas vendas. O registro, na sua visão, deveria ser uma tradição solene, conferindo oponibilidade a terceiros.
A atuação de Teixeira de Freitas na legislação tabular
O parecer de Teixeira de Freitas sobre o projeto de reforma hipotecária que culminou na Lei de Registros de 1864 revelou suas preocupações com o desenvolvimento do crédito territorial e a necessidade de publicidade e especialidade no registro. Ele enfatizou a importância da integração do projeto com o futuro código civil, criticando a incerteza dos limites territoriais e demarcações de terras no Brasil, o que prejudicava a liquidez imobiliária.
Teixeira de Freitas defendeu que o sistema de registro deveria ir além da simples inscrição de hipotecas, abrangendo a genealogia do bem e as mutações reais sofridas por ele. Ele alertou para os riscos de um credor hipotecário desconhecer a existência de outros direitos reais sobre o imóvel, o que reduziria o valor da garantia. Ele defendia a criação de um modo público e uniforme de tradição e aquisição de direitos reais, afastando fraudes e impulsionando o crédito territorial. No entanto, ele considerava utópico transplantar integralmente o sistema germânico para o Brasil devido à natureza fragmentada da propriedade imobiliária e à incerteza dos domínios. Ele reiterou que a transcrição deveria ser uma presunção de fato, e não uma prova irrecusável de domínio, dadas as condições brasileiras. O registro, como formalidade externa e essencial, daria publicidade às mutações e impediria estelionatos.
Em outras obras, como Additamentos ao Código do Commercio, Regras de Direito, Promptuário das Leis Civis e Vocabulário Jurídico, Teixeira de Freitas reiterou a necessidade da tradição ou transcrição para a transferência de domínio, distinguindo-a da mera promessa de venda. Ele criticou a jurisprudência que permitia a resilição de vendas após a tradição e reforçou que a compra e venda de bens imóveis não se sujeitava à alea mercantil.
O Código Civil de 1916 manteve a disciplina da compra e venda de forma semelhante ao pensamento de Teixeira de Freitas. O Art. 1127 estabelecia que os riscos da coisa corriam por conta do vendedor até a tradição, reforçando o princípio do título e modo. O Art. 1129 previa que as despesas da escritura eram responsabilidade do comprador, salvo acordo em contrário. O Art. 530 determinava que a propriedade imóvel era adquirida pela transcrição do título no registro do imóvel, e o Art. 533 esclarecia que os atos sujeitos a transcrição só transferiam o domínio a partir da data de sua transcrição.
A evolução do sistema de publicidade no Brasil é crucial para entender a influência de Teixeira de Freitas. Antes de 1846, não havia um meio de publicidade imobiliária com efeitos jurídicos no Brasil, sendo a tradição o modo de transmissão, conforme as Ordenações Filipinas. A traditio distinguia as ações pessoais das reais, ou seja, a venda válida obrigava o vendedor a entregar o imóvel, mas só gerava efeitos pessoais até a traditio. O Alvará de 1810 fortaleceu essa distinção. A traditio ficta, onde o alienante declarava a transferência de domínio e posse por instrumento público, se tornou um negócio jurídico real de disposição do bem com a criação do Registro Geral.
A Lei de Terras de 1850 e seu Regulamento de 1854, embora conhecidos como “registro do vigário”, não constituíram um sistema de publicidade imobiliária, sendo meras declarações de posse sem valor como título de domínio.
Embora não tenha sido o criador de uma nova disciplina, Teixeira de Freitas, com sua erudição e apreço pela tradição, defendeu a distinção entre título e modo contra o consensualismo francês. Essa posição prevaleceu, influenciando Clóvis Beviláqua e a maioria da doutrina, que transfigurou a tradição para a figura da transcrição, vista como um ato oficial que realiza a tradição ficta do imóvel. Isso permitiu a criação de um sistema de registro de imóveis brasileiro próprio, com influências alemãs e francesas, mas distinto de ambos.
Teixeira de Freitas diagnosticou os problemas do incipiente sistema de registros e as dificuldades de controle das terras nacionais, contribuindo para a primeira lei de registros de 1864, que introduziu a publicidade de direito com presunção iuris tantum. No Brasil, diferentemente da França, a necessidade do registro para a prova oficial do domínio, a publicidade e a geração de prioridade da inscrição se consolidaram.
O primeiro sistema registral brasileiro surgiu com a Lei Orçamentária nº 317 de 1843, regulamentada pelo Decreto nº 482 de 1846, que criou o registro geral de hipotecas. Esse sistema, influenciado pelo hipotecário francês (criticado por Teixeira de Freitas), restringia-se às hipotecas convencionais e gerava ineficácia da alienação perante o credor hipotecário se não registrada. Contemplava princípios de instância e prioridade, mas não o registro de propriedades.
A Lei nº 1.237 de 1864 instituiu o primeiro Registro Geral de Imóveis no Brasil, com o quarto livro dedicado à transcrição das transmissões. Esse registro, embora “híbrido”, significou que a transcrição passou a substituir a tradição como modo de transmissão da propriedade de bens imóveis inter vivos. Teixeira de Freitas defendeu que o registro no Brasil deveria ser uma tradição legal do bem, proporcionando prova oficial do domínio, publicidade e prioridade. Ele argumentou contra a importação integral do sistema alemão, dadas as particularidades do Brasil, mas suas ideias abriram caminho para um sistema que, embora constitutivo, não era uma prova inequívoca de domínio, mas uma presunção de fato (praesumptio iuris tantum).
O Código Civil de 1916 adotou a força probante dos livros de registro, aproximando o Brasil da orientação germânica, onde a inscrição era tida como verdadeira salvo prova em contrário. Embora houvesse debates sobre a adoção da fé pública registral, a posição majoritária, influenciada por Teixeira de Freitas, Beviláqua e outros, era de que a transcrição constituía o modo de adquirir a propriedade, sendo uma “tradição solene”.
O Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002) manteve o regramento da compra e venda de forma semelhante ao de 1916, reproduzindo o conceito geral (Art. 481) e os elementos essenciais (Art. 482). Isso demonstra uma política de continuidade, especialmente em relação à transmissão de bens imóveis.
Em matéria de registros, o Código Civil de 2002 não inovou na fé pública registral, mas o Art. 1247, parágrafo único, reforçou a proteção da propriedade em face de terceiros adquirentes, estabelecendo que o proprietário pode reivindicar o imóvel mesmo que o terceiro esteja de boa-fé, se o registro for cancelado. Essa proteção se baseia na aparência de legalidade do registro, que é constitutivo.
A Lei nº 13.097 de 2015 buscou resolver a “dispersão publicitária” das informações, reforçando a concentração de dados nos registros públicos. Essa lei instituiu três modalidades de proteção: inoponibilidade de negócios jurídicos não registrados (Art. 54), proteção de terceiros de boa-fé via fé pública registral (Art. 54, parágrafo único), e um registro facilitado para unidades autônomas em condomínios (Art. 55).
O resultado e o legado de Teixeira de Freitas
O legado de Augusto Teixeira de Freitas é inquestionável, especialmente na manutenção da doutrina dual de título e modo para a compra e venda de bens móveis e imóveis. Suas discussões na Consolidação das leis civis, na Nova Apostilla contra o consensualismo do Visconde de Seabra, e em seu parecer sobre a lei hipotecária de 1864, foram cruciais para a conformação do direito brasileiro.
Mesmo com os embates ideológicos e as influências estrangeiras, as ideias de Teixeira de Freitas, expressas em suas obras e na Consolidação das leis civis, garantiram a manutenção do sistema dual. O costume de que “a tradição e a usucapião, não o pacto nu, transferem a propriedade” (traditionibus et usucapionibus, non nudis pactis rerum transferentur) perdurou. A evolução do sistema registral brasileiro não resultou em uma transposição completa do sistema constitutivo alemão, mas em um sistema de eficácia por presunção relativa do registro referente à transmissão de bens imóveis.
O Código Civil de 2002, ao reproduzir termos e conceitos da codificação de 1916, consolidou o entendimento preconizado por Teixeira de Freitas, garantindo a manutenção da doutrina tradicional de origem portuguesa e a singularidade do sistema registral “à brasileira”. Este é o duradouro legado de Teixeira de Freitas em matéria de compra e venda de bens imóveis.
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