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Nomes-Piada: a Tragicomédia Onomástica Brasileira

Ah, leitor, prepare-se para uma viagem ao esquisito universo dos nomes-piada no Brasil. Aquela mania nossa de batizar a prole com escolhas que, francamente, oscilam entre o inusitado, o questionável e o descaradamente constrangedor. Não é coisa de nicho, não; essa febre onomástica atravessa todas as classes sociais, pegando desde o astro sob os holofotes até a família mais pacata em rincões perdidos. É, podemos dizer, um grito da nossa inesgotável criatividade, ainda que nem sempre para fins dignos.


A Criatividade Brazuca e Seus Efeitos Colaterais Onomásticos

O brasileiro, no fundo, é um inventor nato. Essa veia criativa, que nos deu o samba e a bossa nova, também se manifesta na certidão de nascimento. É como se nossa liberdade, a eterna busca por ela, encontrasse no batismo dos filhos um terreno fértil para experiências que, para outras culturas, pareceriam um delírio coletivo.

Pegue o caso recente de Seu Jorge. Um gigante da nossa música, voz que ecoa lá fora, resolveu chamar o filho de Simba. Homenagem ao rei da selva animado, claro. Dizem as más línguas dos corredores dos cartórios que a atendente, talvez num surto de bom senso, ou num arroubo de desespero cívico, relutou. Afinal, registrador civil não carimba só papel; ele deveria salvaguardar, em certa medida, a dignidade futura do cidadão. Imagine o pequeno Simba na escola, na entrevista de emprego, ou preenchendo um formulário. Mas a prerrogativa parental, mais a figura do registrador, que já viu de tudo — e por “tudo”, entenda aberrações onomásticas de verdade —, prevaleceu. E assim, mais um Simba engrossou a vasta e excêntrica galeria de nomes brasileiros.

Essa moda não é nova. Lembro-me bem da lendária Baby do Brasil, artista que, além do talento, sempre foi vanguarda até na hora de nomear os filhos. Seus seis rebentos são um compêndio da criatividade parental sem freios. Entre eles, a hoje pastora Sarah Sheeva ostentava um batismo que desafiava a lógica fonética: Riroca. Riroca. Para alguns, exótico; para a maioria, um enigma, ou uma piada pronta. Não surpreende que, já adulta, a então Riroca tenha decidido dar um basta e, munida de advogado e paciência de Jó, buscou o Judiciário para mudar o registro e abraçar uma identidade que, digamos, não causasse estranhamento imediato em qualquer roda de conversa.

Esses exemplos, e tantos anônimos que lotam os arquivos dos cartórios brasileiros — como “Banheiro”, “Aderbaldo” ou “Xerox” (sim, todos reais) —, escancaram a complicação de um sistema que, por muito tempo, ofereceu pouquíssimas saídas para quem nascia com um fardo onomástico. O nome, que devia ser identificação e pertencimento, virava, para muitos, fonte de constrangimento, piadas e, em casos extremos, até bullying. A certidão de nascimento, documento que nos acompanha do berço ao túmulo, carregava não só data e local, mas uma possível condenação social, selada pela caneta de pais criativos demais ou desatentos.


A Lei 14.382/2022: Um Raríssimo Gesto de Sanidade em Tempos de Caos

Mas, como nem tudo é desespero nesta terra tropical, e até a burocracia estatal, em seus raros momentos de lucidez, pode nos dar algo útil, 2022 marcou um divisor de águas. Foi quando a Lei 14.382/2022 entrou em vigor, um sopro de racionalidade num mar de regulamentações que, às vezes, parecem existir só para complicar o simples. Para quem, por força do destino (ou da má-sorte parental), foi agraciado com um nome que mais parece um enigma ou um apelido de infância eternizado, essa lei veio como uma verdadeira redenção.

O que essa lei faz, leitor, é simplesmente revolucionário, para os padrões brasileiros. Ela dá a qualquer cidadão maior de 18 anos o direito de, uma única vez na vida, ir direto ao Registrador Civil de Pessoas Naturais de sua origem — ou seja, o cartório onde o nome foi registrado — e pedir a alteração. E aqui vem o inacreditável, para quem está acostumado com a burocracia nacional: sem precisar justificar.

Sim, você leu certo. Acabou a necessidade de provar o constrangimento, detalhar o sofrimento, justificar a piada que o nome virou na escola ou no trabalho. Não precisa narrar as humilhações, as gargalhadas alheias ou as intermináveis explicações sobre a origem daquele arranjo de letras peculiar. A lei, num arroubo de liberalismo e pragmatismo, reconhece que a identidade é um direito fundamental e que a pessoa, adulta e em pleno uso das faculdades, tem o direito de escolher como quer ser chamada, sem tutelas estatais excessivas ou paternalistas.

Pense no cenário antes dessa lei, no calvário jurídico que era mudar um nome. O caminho era sinuoso e caro: entrar com ação judicial de retificação de assento. Advogado, custas, lentidão do Judiciário e, o mais cruel, provar ao juiz que o nome, de fato, causava uma “situação constrangedora”.

A prova do constrangimento, sabemos, era subjetiva e, muitas vezes, ridícula. Já vi decisões judiciais beirando o absurdo. Lembro de um caso em que um sujeito, batizado com o singelo nome de Jozildo, teve o pedido negado por um magistrado que, em sua sapiência, decidiu que o nome não causava “constrangimento comprovado”. Ora, Jozildo! A sonoridade por si só já é um convite à gargalhada. É um nome de roteiro de comédia. Mas, para a mente jurídica, desprovida de empatia com o cotidiano e com as sutilezas da zombaria social, o “constrangimento” não era patente. Era como se a lei, em sua antiga formulação, exigisse que o requerente comprovasse ter sido demitido, ridicularizado em rede nacional ou impedido de casar por causa do nome. A nova lei, felizmente, enterrou essa necessidade kafkiana de provar o óbvio.


Guardiões Onomásticos: O Caso Português e a Complexidade da Globalização

Para entender a particularidade da nossa abordagem, vale espiar além das fronteiras, em Portugal. Os lusitanos, com sua tradição jurídica mais formal, sempre trataram os nomes diferente. Lá, existia (e ainda existe, com nuances) uma lista de nomes permitidos. Um “índice autorizado” para evitar extravagâncias e manter ordem e tradição nos registros. O objetivo era proteger recém-nascidos de escolhas parentais impulsivas e garantir que o nome fosse identificação funcional e respeitosa.

Contudo, a globalização e a crescente imigração — de muitos brasileiros, diga-se — desafiaram essa lista. Com a chegada de gente de diversas origens e culturas, com nomes que não se encaixavam nos padrões fonéticos portugueses, a lista teve que expandir. E expandiu tanto que o filtro virou um catálogo vasto e, por vezes, paradoxal.

Expandir a lista para acomodar a diversidade cultural é compreensível. Mas o efeito colateral foi que, ao tentar abraçar a multiplicidade, a lista acabou por incluir nomes que, para a sensibilidade portuguesa (e para a de muitos brasileiros), soam no mínimo estranhos, senão absurdos. O que era para ser uma barreira contra o “nome-piada” abriu brecha para escolhas antes impensáveis, agora legalmente aceitas. É o dilema de tentar regulamentar criatividade e diversidade: sempre surgem lacunas e consequências não intencionais.

No fundo, a questão de quem nomeia, e de quão livre deve ser essa prerrogativa, é um debate filosófico antigo. É um embate entre a autonomia individual (dos pais ao nomear, e do indivíduo de se chamar como quiser) e o bem-estar coletivo (evitar constrangimento, bullying, marginalização de quem carrega um nome impróprio). Portugal tentou controle prévio, enquanto o Brasil, por muito tempo, preferiu reparação posterior, geralmente burocrática e dolorosa. A Lei 14.382/2022, ao que parece, tenta um meio-termo, dando liberdade ao adulto para corrigir equívocos alheios, sem um crivo estatal sobre o “constrangimento”.


A Súplica Final: É Tão Difícil Assim? E a “Malandragem” Onomástica

Com tudo isso em mente, a pergunta final ecoa, quase um lamento: é tão difícil assim dar um nome razoável a um filho? Um nome que não exija, no futuro, a intervenção jurídica para resgatar a dignidade do batizado? Um nome que não venha com um asterisco invisível na certidão, sinalizando uma futura ida ao cartório ou ao tribunal?

A resposta, infelizmente, é: para muitos brasileiros, sim, é surpreendentemente difícil. E essa dificuldade não é falta de opção — a lista de nomes “normais” é vasta e universal —, mas talvez uma mistura de fatores. Pode ser a busca pela originalidade a qualquer custo, a influência de modismos (personagens de novela, filme, desenho), a falta de informação sobre as consequências de certas escolhas, ou até uma interpretação distorcida da liberdade individual, que beira a irresponsabilidade onomástica.

Historicamente, o brasileiro tem uma relação peculiar com regras e formalidades. Há uma cultura da “malandragem”, do “jeitinho”, de contornar normas. E essa cultura, de certa forma, se manifesta na escolha dos nomes. É como se, sem uma lista restritiva (como a portuguesa), ou um controle mais rigoroso de registradores no passado, a sociedade brasileira tivesse se entregado a um verdadeiro vale-tudo onomástico. Nomes compostos intermináveis, invenções fonéticas, grafias que desafiam a lógica e a pronúncia — tudo isso faz parte do nosso repertório.

A Lei 14.382/2022, nesse contexto, é um marco. Não vai impedir que pais continuem batizando filhos com nomes exóticos, mas oferece uma saída digna e desburocratizada para quem carrega o fardo dessas escolhas alheias. É um reconhecimento tardio de que a identidade é um direito e que o nome, mais que uma etiqueta, é parte essencial da construção de uma pessoa. Um aceno à liberdade, mas uma liberdade que, neste caso, vem para corrigir as extravagâncias de uma liberdade anterior sem limites.

Que a “geração nova”, com sua benevolência ingênua — como eu diria em outra crônica —, compreenda o valor dessa pequena grande mudança. Que ela entenda que poder corrigir um nome “piada” sem processo judicial é um avanço civilizatório, um alívio para muitos que, por anos, viveram sob a sombra de um batismo infeliz. O inferno, afinal, é feito de boas intenções. E o Brasil, infelizmente, já foi um inferno de nomes; agora, pelo menos, oferece uma porta de saída mais fácil.

E você, leitor, qual o nome mais bizarro que já ouviu? Mudaria o seu, se pudesse? Ou nasceu com um nome que não rende piadas no primeiro encontro? Compartilhe sua história, pois o submundo dos nomes-piada é vasto e cheio de surpresas.

Eis o motivo de não poder ser rebuscado

Você se prepara, quer fazer a melhor tese possível, escreve páginas e páginas da melhor doutrina alemã, cita autores que provavelmente o juiz nunca ouviu falar na vida, artigos acadêmicos, o Código Penal da Dinamarca, algum código exótico da Costa Rica e alguma lei da Venezuela antes de Hugo Chávez ter acabado com o país.

E o que o juiz responde?