Pandemia de Covid-19 e os aluguéis.

Este é o meu trabalho de conclusão de curso de Especialização de Direito na Escola Paulista de Direito (EPD), que recebeu nota máxima e indicação para publicação, referente às respostas legislativas e reais quanto às soluções que Brasil, EUA e América Latina fizeram sobre os aluguéis .

A pergunta básica que foi feita é: a pandemia trouxe de volta a politização dos aluguéis que foi um tema tão caro durante quase todo o século XX?

A crise sanitária global, deflagrada pela pandemia de COVID-19, impôs desafios sem precedentes a todas as esferas da sociedade. Entre as diversas incertezas econômicas e sociais que emergiram, o setor de locação de imóveis residenciais e comerciais rapidamente se tornou um ponto focal de preocupação. Para milhões de pessoas, a determinação de “ficar em casa” transformou a residência alugada em um centro de questionamentos: como garantir o pagamento do aluguel diante da instabilidade econômica? Haveria uma intervenção governamental significativa? As leis de locação seriam drasticamente alteradas?

Essas perguntas fundamentais, que ecoaram em lares e empresas, nos conduzem a um debate multifacetado, intrinsecamente ligado à história, à economia e à política. A monografia “Lei do Inquilinato e Crise da Covid-19: Será a Volta da Política? se propõe a mergulhar profundamente nesse cenário. O estudo não apenas examina as respostas emergenciais adotadas no Brasil durante a pandemia, mas também as compara com as medidas implementadas em outras nações e, crucialmente, as contextualiza dentro do longo e complexo histórico da regulação locatícia brasileira. As conclusões apresentadas não só enriquecem a compreensão sobre a dinâmica atual do mercado, mas também desafiam percepções comuns sobre o impacto da crise.


O Intrincado Histórico da Regulação Locatícia no Brasil: Uma Viagem Pelo Tempo e Pelas Leis

Para entender a resposta brasileira à pandemia no contexto dos aluguéis, é indispensável revisitar o passado. O Brasil possui um histórico peculiar de intervenção estatal no mercado de locação, que se estendeu por um período notável de quase 50 anos, de 1942 a 1991. Antes desse marco, a regra que predominava era a liberdade contratual, um princípio solidamente ancorado em códigos legais da época, como o Código Comercial de 1850 e o Código Civil de 1916. Nesses tempos, a relação entre locador e locatário era predominantemente regida pela autonomia da vontade das partes, com pouca interferência externa.

No entanto, a rápida urbanização do país e o consequente inchaço das cidades, especialmente nas grandes metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo, transformaram a moradia de uma questão puramente privada em um problema social de grandes proporções. A escassez de moradias adequadas e a dificuldade em arcar com os custos de aluguel levaram a um cenário de crescente insatisfação social, culminando em protestos e greves de inquilinos. Esses movimentos sociais exerceram pressão significativa sobre o poder público, que respondeu com uma série de legislações intervencionistas.

O estudo detalha minuciosamente como, ao longo dessas décadas, foram introduzidas leis e decretos que alteraram profundamente a dinâmica locatícia. Medidas como a proibição ou limitação drástica dos aumentos de aluguéis eram comuns, muitas vezes desvinculadas das realidades inflacionárias da época. Além disso, a capacidade de despejar inquilinos foi severamente restringida; a “justa causa” para o despejo não incluía sequer o término do contrato, o que criava situações de ocupação por tempo indeterminado. Havia também a regulação compulsória de renovações e, em alguns casos, a possibilidade de arbitramento de valores iniciais de aluguel pela própria prefeitura.

Essas intervenções, embora motivadas por genuínas preocupações sociais e pelo desejo de proteger a parte considerada mais vulnerável – o inquilino –, acabaram gerando distorções significativas no mercado. O estudo elucida que a intervenção excessiva levou à escassez de imóveis para locação, pois proprietários viam desincentivos em colocar seus imóveis no mercado ou em realizar investimentos de manutenção, dada a baixa rentabilidade e a dificuldade de reaver a posse. Outras consequências nefastas incluíram o surgimento de aluguéis “por fora” (pagamentos informais para contornar as restrições legais), a falta de manutenção dos prédios (já que os proprietários tinham pouco incentivo para investir em bens que geravam baixo retorno e alto risco) e uma relação inerentemente conflituosa entre proprietários e inquilinos. Este cenário é um exemplo clássico do que o estudo denomina a “Lei das Consequências Não-Previstas”, que frequentemente se manifesta em mercados submetidos a controles excessivos.

A Lei 8245/91, conhecida como a Lei do Inquilinato atual, representou uma virada radical nesse paradigma. Ela marcou o retorno a um modelo de quase livre mercado, onde a autonomia da vontade das partes e a negociação eram novamente priorizadas. Essa mudança se mostrou surpreendentemente duradoura, sendo o modelo predominante desde seu estabelecimento. É notável que, mesmo em governos considerados de esquerda, como os do Partido dos Trabalhadores (PT), esse novo paradigma foi não apenas mantido, mas, em alguns aspectos, os procedimentos de despejo foram até agilizados, demonstrando uma consolidação da compreensão sobre os limites da intervenção estatal nesse mercado.


Respostas Internacionais à Pandemia e a Singular Abordagem Brasileira: Contrastes e Similaridades

A pandemia de COVID-19, por sua natureza global, provocou uma série de respostas legislativas e políticas em diferentes países, refletindo suas realidades sociais, econômicas e históricas. O estudo oferece um panorama comparativo que é crucial para entender a singularidade da abordagem brasileira:

  • Argentina: Este país se destacou por uma das intervenções mais intensas e prolongadas no que tange aos aluguéis. O governo argentino implementou medidas como a proibição generalizada de despejos, a suspensão de reajustes de aluguéis e a prorrogação automática de contratos. O estudo estabelece uma conexão direta entre essa postura e o histórico mais robusto de populismo locatício no país, onde a intervenção estatal em questões de moradia tem sido uma ferramenta política mais recorrente.
  • Estados Unidos: A resposta americana focou em moratórias federais de despejo, buscando evitar uma crise habitacional em massa. No entanto, essas medidas não implicaram em controle direto de aluguéis ou de prazos contratuais. Além disso, as moratórias foram frequentemente contestadas judicialmente e, em muitos casos, derrubadas, evidenciando a forte tradição de proteção à propriedade privada e a uma menor aceitação de intervenções amplas no mercado por parte do judiciário.
  • Outros Países da Região: Nações como Equador, Colômbia e Chile também adotaram medidas emergenciais, mas, em geral, essas ações visavam primordialmente retardar despejos, proporcionando um alívio temporário sem alterar fundamentalmente as estruturas contratuais. O Peru, por exemplo, apesar de ter imposto quarentenas rigorosas, teve poucas leis específicas sobre o tema dos aluguéis, o que o estudo atribui, em parte, à instabilidade política crônica que o país enfrentava, desviando o foco do legislativo.

Mas e o Brasil nesse cenário global? Diferentemente da abordagem argentina, que optou por uma intervenção robusta e generalizada, a resposta legislativa federal no Brasil durante a pandemia foi notavelmente limitada e pontual. O estudo identifica que apenas duas leis federais fizeram referência direta ao tema dos aluguéis: a Lei 14010/2020 e a Lei 14216/2021. A análise aprofundada mostra que ambas tiveram vigência extremamente curta e um escopo restrito. A Lei 14216/2021, por exemplo, suspendeu apenas liminares em situações muito específicas e com tetos de valor baixos, abrangendo uma parcela limitada da população. Adicionalmente, ambas as leis foram inicialmente vetadas pelo Presidente da República, e embora os vetos tenham sido posteriormente derrubados pelo Congresso, esse processo em si já indicava um baixo interesse legislativo federal em implementar controles amplos sobre o mercado de aluguéis. A inércia do Congresso e os vetos presidenciais foram sinais claros de que a polarização política não se traduziu em um consenso por uma ampla reforma locatícia.

O Ponto Chave da Intervenção no Brasil: Se a legislação federal demonstrou parcimônia, de onde veio a intervenção mais significativa? O estudo aponta que ela emergiu do Supremo Tribunal Federal (STF). Por meio da ADPF 828, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta por partidos de oposição, o STF tomou a decisão de suspender despejos e remoções coletivas por prazos estendidos. Essa decisão foi fundamentada na proteção ao direito à moradia, sendo interpretada como uma medida essencial de saúde pública e isolamento social para conter a propagação do vírus. O estudo descreve essa atuação do STF com termos como “salto interpretativo extraordinário” e uma “manobra ativista”, indicando que a Corte foi além de sua função típica de guardiã da Constituição para assumir um papel de política pública, preenchendo um vácuo deixado pelo legislativo e executivo.


A Grande Conclusão do Estudo: A Pandemia NÃO Marcou o Retorno da Politização dos Aluguéis no Brasil

A pergunta central que a monografia se propõe a responder é se a crise da COVID-19, com sua magnitude e impacto social, assinalaria o retorno a um ciclo de intensa politização e intervenção estatal nos aluguéis no Brasil, similar ao período pós-1942. A resposta do estudo é inequívoca e surpreendente para muitos: isso, fundamentalmente, não aconteceu.

Apesar da gravidade da crise, das pressões sociais e políticas por medidas mais protetivas (evidenciadas, por exemplo, por diversos projetos de lei que tramitaram no Congresso, mas que não avançaram significativamente ou foram arquivados), a resposta legislativa federal, como já mencionado, foi pontual e de curta duração. Não houve uma reedição de leis que impusessem controles de preços generalizados, renovações compulsórias ou restrições severas a reajustes e despejos de longo prazo.

A principal intervenção, conforme demonstrado, foi de natureza judicial, exercida pelo STF, e mesmo essa teve um caráter mais de suspensão temporária de execuções (despejos) do que de alteração estrutural da Lei do Inquilinato. A decisão do STF foi uma medida emergencial, focada em um período específico e com justificativa ligada à saúde pública, e não uma mudança de paradigma na legislação de locações.

O cenário mais provável, de acordo com o estudo, é a manutenção do paradigma de liberdade de contratação estabelecido pela Lei 8245/91 após o término das medidas emergenciais e a normalização da situação sanitária. O argumento é que a sensibilidade para controles de aluguéis, no contexto político brasileiro atual, parece estar restrita a nichos políticos específicos, não havendo um consenso ou uma força política hegemônica capaz de promover um retorno ao modelo intervencionista do passado. Isso contrasta, por exemplo, com a Argentina, onde essa sensibilidade é mais disseminada e resultou em intervenções mais radicais e duradouras.


Por Que Este Estudo é Essencial Para Você?

Esta monografia oferece uma análise rica e detalhada que transcende a cobertura superficial e muitas vezes alarmista do noticiário do dia a dia. Ela não apenas contextualiza a crise recente da pandemia dentro de um padrão histórico de intervenção estatal no Brasil, mas também explora as diversas abordagens internacionais e, crucialmente, dissecou a resposta brasileira de forma perspicaz. O estudo demonstra que, embora o judiciário tenha assumido um papel proativo e ativista em um momento de vácuo, o legislativo federal não abraçou, em larga escala, um novo ciclo de politização dos aluguéis.

Para quem busca compreender as raízes profundas dos problemas e das dinâmicas do mercado de locação no Brasil, as consequências de leis excessivamente intervencionistas e, fundamentalmente, por que a pandemia, apesar de seu impacto devastador em outras esferas, não alterou o modelo legal atual de forma significativa, este trabalho é uma leitura indispensável. Ele fornece as ferramentas históricas, comparativas e analíticas necessárias para que você possa formar sua própria opinião, informada e crítica, sobre o complexo tema da “volta da política” no universo dos aluguéis.


Você está pronto para desafiar suas percepções e obter uma compreensão completa sobre o futuro dos aluguéis no Brasil?

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