O Rei Eduardo VII sucedeu a sua mãe, a Rainha Vitória, e subiu ao trono inglês com o falecimento da mesma, em 22 de janeiro de 1901.
Acabava a era super-moralista da sua mãe, a toda poderosa imperatriz que obrigou os chineses a fumarem ópio, mas muito pudica em assuntos sexuais. Oscar Wilde foi condenado a dois anos de trabalhos forçados por práticas homossexuais. Assim diz a Wikipedia sobre a era vitoriana.
Pelo menos era uma era elegante, em que o traje socialmente esperado para os rolês noturnos em Londres era o que se chamava de white-tie, ou seja, fraque completo (com a cauda) com camisa, gravata borboleta, cinturão, colete e calça social. Neste aspecto, assista como o ator Rupert Everett interpreta a personagem Lord Goring no filme O Marido Ideal de 1999.
A era do seu filho, Eduardo VII, pelo menos, tinha a aparência de libertinagem. Ou, é claro, dependendo do ponto de vista, uma era menos hipócrita.
O novo Rei Eduardo VII tinha várias amantes. A entrada sobre ele no Wikipedia indica pelo menos 55 casos: a atriz Lillie Langtry, Jennie Churchill (mãe do futuro primeiro-ministro Winston Churchill), Daisy Greville, Condessa de Warwick, a atriz Sarah Bernhardt, a aristocrata Susan Vane-Tempest, cantora Hortense Schneider, a prostituta Giulia Beneni, a humanitária Agnes Keyser e Alice Keppel e era conhecido nos bordéis parisienses. O rei também era conhecido por gostar de uma jogatina, tanto que teve um escândalo em 1890 envolvendo jogo de baccarat.
Mas não estamos aqui para discutir a era edwardiana. Porém, ela tinha de começar de alguma forma e ele foi coroado em 9 de agosto de 1902. E esse texto é sobre a querela que houve no dia da sua inauguração.
Para quem não sabe, locar imóveis residenciais por temporada sempre foi mais antigo do que andar para a frente. AirBnb, booking.com e outros sites apenas são uma versão eletrônica do que sempre foi feito no papel. Quem não se lembra dos anúncios do Primeiramão de locações por temporada no litoral paulistano. Afinal, o verão traz muita gente para o litoral e o inverno, para a serra. O povo sempre quis um lugar para ficar com mais espaço ou menos custo do que os hotéis convencionais.
Isso não foi diferente na Londres de 1902.
A Coroação de Eduardo VII estava prevista para acontecer em 26 de junho de 1902, mas ela teve de ser cancelada em virtude de o Rei ter adquirido uma infecção abdominal que necessitava de uma cirurgia de emergência. Ela ocorreu em 9 de agosto do mesmo ano, assim que teve liberação médica.
Ocorre que, quando a cerimônia original de junho foi marcada, foi gerada uma enorme indústria de locações por temporada. As melhores famílias de Londres passaram a alugar quartos e apartamentos em localizações em que as pessoas poderiam assistir à cerimônia da coroação das janelas e sacadas.
No entanto, o atraso da Coroação de junho para agosto de 1902 causou um prejuízo enorme, pois muitas pessoas alugaram imóveis para o objetivo de assistir à Coroação. Por outro lado, os proprietários que alugaram também tiveram prejuízos, pois tiveram o custo de se deslocar para o interior para dar lugar às famílias que chegavam. Sim, ter um lugar no interior para chamar de seu, como fez Winston Churchill em sua casa de Chartwell, por mais caro que fosse, era o papel esperado das elites londrinas (que eram as pessoas mais ricas da época) nas rigorosas normas sociais vitorianas e mesmo posteriormente.
Todo mundo teve prejuízo. Tanto os proprietários que cederam suas propriedades e tiveram de sair quanto os locatários que alugaram, pagaram e não tiveram o evento.
A pergunta é: os locatários deveriam pagar pelo aluguel mesmo não tendo o objeto (a Coroação)? Ou os locadores deveriam ficar com o aluguel para se recuperar do prejuízo? Quem está certo?
Essas locações por temporada causaram muita litigiosidade e, por incrível que pareça, foi um marco no Direito dos Contratos: os Coronation Cases. Vejam aqui e aqui como foram a discussão e as decisões. Sim, os processos foram um marco da teoria dos contratos.
A principal teoria aqui foi a da frustração de propósito (frustration of purpose). O contrato pode ser anulado se o objetivo indicado no acordo entre as partes não foi conseguido, mesmo que não tenha sido por culpa dos interessados.
Imaginavam que esse evento histórico distante fosse tão importante assim para a ciência jurídica?
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Muito legal!
Obrigado.